quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Beatles - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band

Para mim, escrever sobre este disco 22 anos após a minha primeira audição é um pouco difícil, pois ao longo deste tempo, por várias vezes, tive longos períodos ouvindo somente este trabalho dos Beatles e a cada jornada, novas descobertas e novos entendimentos eu tive acerca dele. Leituras diversas trouxeram informações que me ajudaram a entender cada vez mais esta obra-prima. Dessa forma, lembrar a minha primeira impressão é uma tarefa árdua, mas vou tentar.
Aos 14 anos de idade, com o dinheiro da minha mesada, comprei este trabalho em vinil. Logo de cara a capa me chamou a atenção pela produção empregada nela. Ainda não tinha consciência do que é um trabalho gráfico de qualidade, mas mesmo assim fiquei impressionado. Eu já tinha lido algumas coisas a respeito deste disco, sobre a sua sonoridade, as suas contribuições para a música de um modo geral e a sua importância na vida do planeta.
Gravado no ano de 1967 e lançado no dia primeiro de julho do mesmo ano, Sgt. Pepper's é um álbum conceitual, algo inédito na música pop até os dias atuais, algo muito raro, e que viria a ser a marca registrada das bandas de rock progressivo da década de 70.
A idéia era que os Beatles se tornassem uma outra banda (Banda dos Corações Solitários do Sargento Pimenta) e com isso conceberam um novo visual e uma nova sonoridade.
Na capa, um enterro com diversas celebridades ao fundo, todas elas importantíssimas de alguma forma na formação intelectual e musical dos quatro rapazes de Liverpool. É neste enterro que os Beatles simbolizam o final da sua fase juvenil de uma vez por todas e amadurecem o seu trabalho, marcando a cultura mundial para sempre.
O disco abre um falatório ao fundo e risadas, algo inusitado para quem estava acostumado a ouvir o padrão radiofônico e as coisas completamente "certinhas". Ali percebi que os Beatles dominavam seus trabalhos e eram livres para compor. Não sei ao certo se foi esse início, mas atualmente tenho um fascínio por inícios de músicas e dou muito valor ao inusitado.
Em seguida entra uma guitarra marcante e começa a música Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, com um excelente rock, que me conquistou logo de cara. Paul canta com vontade, muito diferente da voz aveludada de baladas como Yesterday. O arranjo tanto desta música quanto do disco todo, tem muita coisa ao fundo, risadas, conversas e uma infinidade de sons que não são considerados música pelos leigos desavisados, mas que a genialidade da banda e do mestre George Martin, produtor e arranjador, transformaram tudo em material de composição. Eles trouxeram a música concreta para o universo pop, rádios e tvs.
O poder que este disco exerceu sobre o mundo foi tão grande que um dia após o lançamento, Jimi Hendrix abriu seu show com a música Sgt. Pepper's.
Sgt. Pepper's acaba e logo em seguida emenda com With A Little Help From My Friends, cantada por Ringo Starr. Uma música simples e bonita, que no festival de Woodstock ganhou uma versão expressiva e marcante de Joe Cocker.
Esta música foi a escolha perfeita para vir após Sgt Pepper's, pois com ela vinha a sensação da continuação de uma viagem, iniciada de forma visceral e que agora, poderíamos curtir todo o trajeto pelo qual os Beatles pretendiam nos levar.
Lucy In The Sky With Diamonds, terceira música do LP, inspirada num desenho de Julian, filho de John Lennon, traz alguns mistérios além de sua sonoridade atípica. Cogita-se que Lennon tenha composto sob efeito do ácido lisérgico, LSD, que por coincidência ou não, são as iniciais do título desta música. Quando eu ouvi esta música, a sua introdução, a voz de Lennon, eu comecei a achar realmente este disco muito "esquisito". A partir daí eu ansiava por mais estranhezas.
Getting Better, a quarta faixa, começa com uma guitarra estridente e muito aguda. Outro bom rock, direto, simples e maravilhoso.
A quinta música, Fixing A Hole, também aguça a capacidade de busca por mistérios e muitos afirmam fazer referência à heroína. Eu adorei a cadência desta música e o solo de guitarra.
She's Leaving Home, sexta música, com sua harpa e a voz doce de Paul, é uma das coisas mais lindas que os Beatles produziram. Anos depois, descobri que é a letra fala de uma menina que sai de casa e ganha a sua liberdade. Confesso que ao entrar no clima desta descoberta, chorei de emoção, ao ouvir Paul cantando a descoberta da família sobre a fuga de seu "bebê", ao ouvir, principalmente, que a menina estava livre. Numa época de mudanças estruturais na sociedade mundial, na qual a mulher começa a ganhar seu espaço, nada melhor que a maior banda de todos os tempos para apoiar estas iniciativas.
O primeiro lado do LP encerra com Being For The Benefit Of Mr. Kite, outra música estranha, com sons ao fundo sem nexo algum, algo meio circense, transmitindo a sensação de um carrossel. Adoro a forma firme e bem pronunciada que Lennon canta, transmitindo uma emoção que só ele era capaz de fazer. Achei interessante que, no espaço que se convencionou a colocar um solo de guitarra, no meio da música, Lennon diz diz que o cavalo dança uma valsa e é esse ritmo que aparece. Alguns anos depois descobri que Lennon fez a música para o texto de um cartaz de circo, acrescentando muito pouca coisa e também, que os sons que eu achava sem nexo, nada mais eram do que efeitos de fita, cortados em tamanhos iguais e jogados para o alto por George Martin, como se estivesse sorteando a ordem aleatória do que seria a sonorização de fundo. Mais uma vez eu percebi a falta de limites na qual eles trabalhavam e como tudo era possível.
Se o primeiro lado termina de forma esquista, o segundo começa com uma música indiana, Within You Without You. Não é uma música completamente indiana, pois os Beatles conseguiam trazer os elementos para a sua música, sem perder a sua característica pop. George Harrison, canta como se estivesse em transe e a parte percussiva é contagiante. Eu fiquei fascinado pelo som da cítara e ainda bem que os Beatles, em particular Harrison, desde 1965 compuseram algumas músicas com este instrumento. Meu fascínio era tanto que eu escutava várias vezes e tinha que ouvir minha mãe reclamar que eu escutava "música de ladainha".
Em seguida, Paul canta When I'm Sixty Four, uma música alegre e com características de música infantil. Na primeira audição, achei que ela destoava de todo conjunto e até hoje preferia que tivessem incluído músicas que foram lançadas em compacto antes do disco, como Strawberry Fields Forever ou Penny Lane. De qualquer forma estava lá, quebrando toda a estranheza do disco, mas penso que está música comum, no meio de tanta loucura, acaba se tornado uma estranheza pelo simples fato de parecer fora de contexto.
Nela Paul projeta um futuro, quando tiver 64 anos, o que aconteceu neste ano de 2006 e muitos dos seus sonhos não foram realizados, mas a música ficou eterna.
A próxima canção é Lovely Rita, mais uma música marcante na voz de Paul e com tema feminino. Não colocando a mulher como um objeto de adoração, mas sim como um ser capaz de vencer e ser dona do seu próprio destino.
A quarta música do segundo lado me causou a maior perplexidade, pois inicia com o canto de um galo. Good Morning Good Morning, não poderia começar diferente e mais uma vez os Beatles me ensinando a caracterizar uma música com sons não vindos de instrumentos, mas do mundo que nos cerca. Um rock forte e muito bem cantado por Lennon. Com o passar do tempo, descobri que John compôs esta música vendo um anúncio de cereais na televisão. Ela termina com um alvoroço de tudo quanto é bicho emitindo seus sons específicos.
Lembro de um amigo de infância, que ao escutar, pedia para eu colocar repetidamente esta parte e caía na gargalhada, tamanha era a esquisitice. Realmente não estávamos acostumandos a isto, em pleno ano de 1984. Quase vinte anos depois, os Beatles ainda provocavam as mesmas sensações.
Após esse alvoroço dos bichos, há uma contagem e inicia Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise), com uma batida ritmada e dançante, parecendo um funk. Uma versão mais curta da primeira música e um despedida, cuja letra deseja que tenhamos gostado do show.
E para terminar, A Day In The Life, considerada um resumo de tudo que acontecia naqueles anos 60. John compôs esta música, mas para ele ainda faltava uma parte e Paul cria uma segunda parte, que segundo o próprio John, só Paul poderia ter completado sua obra.
Esta música que encerra o disco, não poderia ser simples. A banda desejava que todos os instrumentos tocassem da sua primeria nota até a última, um grande desafio pois os intrumentos tem afinações diferentes, durante a gravação promoveram uma festa no estúdio e convidaram uma orquestra, amigos e músicos famosos, entre eles Mick Jagger e Keith Richards dos Stones.
A música acaba num som que segue até uma frequência que só os cães conseguem escutar.
Sgt. Pepper's também é o primeiro álbum de capa dupla e com letras disponibilizadas.
Os Beatles decidiram fazer um álbum conceitual, mas desistiram na segunda música, só que o entrosamento da banda, assossiado à capacidade de captar o mundo e transformá-lo em música, possibilitaram, mesmo de forma instintiva, a realização deste trabalho que eu considero o mais importante de todos os tempos.

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1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ops! Disse que leria depois e li. Gostei. Me deu vontade de escutar o disco.

6:19 PM  

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