quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Guetos

Quando eu morava nos EUA, deparei com uma sociedade hipócrita, principalmente no quesito “liberdade”. As pessoas são livres para escolher, mas esta escolha tem que se enquadrar num modelo completamente fechado de conduta. Ou seja, você escolhe qual grupo ou gueto quer frequentar e participar e dessa forma, agir exatamente igual a todos os integrantes do mesmo.
Fora isso, negros, asiáticos, hispanos, latinos e qualquer outro povo ou grupo étnico, devem ser agrupar com os seus semelhantes.
Realmente é uma enorme nojeira, você atravessar a cidade e ver os bairros de cada grupo social. Não como no Brasil, que têm locais característicos de imigrantes, como as colônias italiana e japonesa de São Paulo. Lá é bem diferente, porque não há uma admiração ou até mesmo um noção de cultura, mas sim de exclusão. Basta você se aproximar de algum lugar desses locais que logo se escuta “Cuidado, aqui é bairro de haitiano e eles são todos ladrões”, ou então, “Estamos no bairro dos negros, aqui branco não pode atravessar à pé, senão eles assaltam, batem e molestam.
Há um enorme desconforto e diversos comentários maldosos a cada mudança de bairro. Deixam bem claro que você, por ter certas características físicas, deve achar seu bairro correspondente.
Mas isso não é um privilégio das ruas, pois num shopping há o espaço para negros e brancos completamente delineados e demarcados. Na parte dos negros há manequins negros, vendedores negros e roupas de rappers, que todos consideram como roupas de negros. Da mesma forma, na parte branca, há manequins brancos, vendedores brancos e roupas convencionalmente adotadas por brancos.
Um negro tem que se vestir que nem um cantor de rap e só. Um branco que se veste assim, por gostar da música logo escuta “Tá usando roupa de negro por que? Você não é negro!”.
Fora isso, há os locais de diversão, lanchonetes, modelos de automóveis e até shopping centers destinados ou frequentados por tonalidades de pele distintas.
Desta forma as pessoas vão se enquadrando nestes modelos e há aqueles “rebeldes”, que tentam burlar isso, mas acabam desistindo após a adolescência.
Eu não aguentei morar nessa merda de país chamado Estados Unidos da América. Sou um caucasiano que foi criado entre negros, filhos de empregada, filhos de porteiro, joguei bola na rua com moradores de favelas e enxergo todos como pessoas e não como as pedras de um saco de arroz que precisam ser separados.
Mas antes de orar lá, aqui no Brasil havia outra divisão que sempre me incomdou, a divisão de estilos musicais.
Deste cedo, quando me apaixonei de vez pelo rock and roll e decidi que era isso o que eu queria para a minha vida, tive contato com coisas antagônicas e os seus seguidores me crucificavam por olhar em várias direções e não aderir a um gueto.
Dentro do universo da maioria dos jovens roqueiros não há um horizonte amplo e eu, que conheci e me tornei um beatlemaníaco aos 14 anos e, meses depois, conheci e me apaixonei perdidamente por heavy metal e principalmente Iron Maiden, que mais tarde, devido às suas músicas enormes, me levaram ao rock progressivo, sofria uma série de comentários sobre este gosto tão impossível de conviver. Para os “metaleiros” eu não amava heavy metal de verdade por gostar “daquela bandinha de hippie imundo” chamada Beatles, em contrapartidda, os adoradores das musiquinhas hippies, principalmente Led Zeppelin, que é considerado um dos pais do heavy metal, me acusavam de gostar de “música de punheteiro”. No fundo eu sempre achei que cada lado da moeda não conhecia o outro. Falavam por falar, pois na minha cabeça não podiam detestar o vigor do heavy metal e muito menos a genialidade dos Quatro Rapazes de Liverpool.
Então, retornando ao meu problema com os guetos americanos, lá encontrei, é óbvio, a mesma idiotice com relação à música. Cada um na sua e não há espaço para misturas. Vários estilos de rock e suas respectivas bandas, que possuem uma postura rebelde, agressiva, contestadora, desafiadora, inovadora e que tenha pretensão de mudar o mundo, ou pelo menos, dar uma chacoalhada, são julgados pelas roupas, timbres de voz e por qualquer outro elemento irrelevante ao seu discurso. Os jovens querem um modelo a seguir e não se permitem misturar. Procuram um estilo de vida e se orgulham em dizer que fazem parte de um movimento musical e se fecham num mundo tão pequeno, mas sempre com a prepotência de estar com a “verdade”, sabedoria, bom gosto e principalmente, com a liberdade. Um enorme paradoxo e uma leitura estúpida das suas próprias condutas.
Eu não entendi como conseguiam se portar de tal forma, ainda mais tendo nascido no Brasil, o país das misturas. Tentei em vão explicar ao meu irmão, mas as pressões do seu meio social não o fizeram escutar e nem sequer, tentar entender que ele poderia gostar de Cannibal Corpse e Caetano Veloso. Acho que ele ficou mais aberto com o passar do tempo e o fato de aprender a tocar guitarra, o ajudou a ver valores em outros artistas.
Enfim, resolvi escrever uma música criticando os guetos americanos, mas no final das contas, se tornou um texto sobre essa atitude de ingressar num gueto musical ou de comportamento juvenil.

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