sábado, 16 de setembro de 2006

Click

Ontem, dia 15 de setembro de 2006, estava em casa tentando não pensar em algumas coisas e esquecer outras. Quase me entreguei ao impulso e à ansiedade de tentar resolver o que não posso resolver. Quase agi como um tolo, que não consegue mais cumprir para si mesmo suas próprias promessas. Por pouco escapei.
Estava com tanta vontade de ver um filme e distrair a minha cabeça repleta de incertezas, dúvidas, tristezas, auto-cobranças, frustrações e arrependimentos.
Quando estou assim, não consigo mover uma palha, apenas sento em frente ao micro e vejo a vida passar, ligado na porra de um piloto-automático que guia todas as minhas reações.
O cinema talvez me distraísse, mas eu queria mesmo era ter uma companhia, alguém que dividisse qualquer emoção, por mais banal que fosse, dentro de uma sala escura, após a meia-noite (horário da sessão que escolhi assistir).
Na verdade só uma pessoa eu queria ao meu lado para este momento, a mesma que tento não pensar e esquecer. A mesma que há pouco deu uma reviravolta dentro de mim. Claro que não ligaria para mim, isso é um fato sacramentado, então se ela, tão nova, consegue agir assim, por que eu, um velho, não conseguiria.
Para o horário que escolhi haviam dois filmes, um do Bruce Willis (puta que pariu, esta merda não ia me distrair e sim me irritar mais ainda) e um outro chamado “Click”, que eu já tinha visto o trailler e me parecia engraçado.
Não era o que eu gostaria de assistir, preferia uma aventura espacial, com raio laser e perseguições com aeronaves voando na velocidade da luz, só que eu deveria escolher um dos dois.
Talvez esse ato de escolher, ao invés de ligar no piloto-automático, seja o que me falta, pois a vida não para, ninguém espera o outro decidir, muito menos, quando esse outro fica parado esperando cair do céu. De lá só cai chuva, granizo e, às vezes, algum meteoro. As pessoas escolhem e você pode não gostar da escolha. Assim aconteceu comigo.
A vida é assim, nada aparece claro na tua frente, sempre você acaba tendo que escolher uma coisa em detrimento da outra. As coisas não aparecem de forma linear, metódica, uma após a outra para que não seja necessário escolher e sim, apenas viver.
Pelo contrário, uma coisa que você deseja aparece no momento em que você não pode aproveitar, sem antes renunciar algo tão importante naquele momento pra você. E é nessa hora que sua inteligência, bom senso e razão devem funcionar, para que no futuro não apareçam arrependimentos. Se hoje tenho arrependimentos, é pela falta de inteligência que tanto acreditei ter.
Bom, sentei numa sala enorme, quase vazia, com uns oito casais espalhados atrás de mim, provavelmente fazendo a maior sacanagem e mais duas garotas, muito interessantes, que também sentaram muito atrás de mim.
Estava eu ali, sozinho, esperando para rir de algumas idiotices de Hollywood e voltar para a casa e viver no meu piloto-automático.
Vou contar o filme, porque só assim o que escrevi acima fará algum sentido para a meia dúzia de gato pingado, que se interessa em ler o que se passa nessa cabeça.
Coisa mais comum em fimes americanos da atualidade, é o questionamento aos workaholics que esquecem a família na busca pelo sucesso profissional. Uma vida de merda, repleta de stress, comidas nada saudáveis, correrias e problemas.
Uma hora o personagem principal vai comprar um controle remoto universal, pois não conseguia se adaptar a diversidade de controles em sua residência e acaba comprando um controle da sua própria vida.
Este controle podia fazer qualquer coisa que quisesse e eu julgava que ele fosse usar para parar o tempo e realizar suas tarefas, mas não imaginava como acabaria um filme desse tipo. Assistia curioso como o roteirista finalizaria um filme, aparentemente tão idiota. Na verdade pode até ser idiota mesmo, é que minha mediocridade encontrou algum valor nas semelhanças também medíocres do personagem.
Mas ao contrário do que eu imaginava, o personagem não parava o tempo, mas sim o acelerava para não vivenciar certas situações e poder realizar seu trabalho.
Começou acelerando o ritual do cão que buscava um local para fazer suas necessidades, depois o jantar de família, as doenças que tinha, as discussões com a esposa (diga-se de passagem, muito parecida, não na fisionomia, mas no biotipo, com a pessoa que mais errei na vida, justamente pela mania de viver no piloto-automático) e até o sexo com a mesma ele acelerou.
Como um controle-remoto qualquer ele poderia voltar e rever o que viveu, para buscar informações, inclusive a música que rolava quando deu seu primeiro beijo na esposa, “Linger” do Cranberries (música esta que está rolando aqui repetidamente até eu acabar de escrever este texto).
Só que o que ele acelerava, ele não aproveitava e agia no tal “piloto-automático”, ou seja, fazia o que sempre esteve acostumando a fazer, sem muita interação com a família.
Ao achar que se tornaria sócio na companhia, gastou por conta da promoção, mas na verdade, isso só aconteceria dali a quatro meses e ele decidiu acelerar este período. Foi aconselhado, por quem vendeu o controle, a não fazer, afinal seria um tempo muito longo e ele perderia coisas importantes. Mas ao ver seus filhos chorando, por ter que devolver seus presentes, não pensou duas vezes e acelerou até o momento da promoção. Só que não foram quatro meses e sim um ano.
Nesse período muita coisa havia mudado, seu filhos diferentes, seu cahcorro havia morrido, enfim, ele não tinha vivido de fato as pequenas coisas ao redor.
A partir daí tudo acelerava sozinho e foi explicado que o controle memorizou suas preferências, então ele não conseguia vivenciar as pequenas coisas da vida que havia acelerado.
No primeiro dia como sócio da empresa, ouve do seu chefe que um dia será presidente da companhia e nessa hora, sua vida acelera até o momento em que se tornaria presidente, ou seja, dez anos. Agora estava obeso de tanta comida ruim, filhos quase adultos, a esposa casada com outro.
Ao se machucar, como ele havia decidido não aproveitar as doenças, sua vida acelerou mais seis anos e seu pai já estava morto. Conseguiu, através do controle, rever a última vez que viu seu pai e se viu agindo da maneira mais fria (no piloto-automático) preocupado apenas com o sucesso profissional e deixando no seu pai, uma mágoa muito grande.
Ao visitar o túmulo de seu pai, descobre que o vandedor do controle, que sempre aparece para esclarecer suas dúvidas, é o anjo da morte e ele, no desespero, pede para ir para um lugar em que esteja feliz. Ele chega até o casamento do filho. Lá escuta sua filha chamar o padrasto de “pai” e sofre um infarto.
No hospital, percebe que o filho está seguindo seus passos e levanta-se da cama para dizer que não repita isso, que a família vem em primeiro lugar e morre.
Na verdade ele acorda de um sonho e começa a corrigir todos os seus erros estruturais, quando se depara com o controle-remoto. Junto há um bilhete com uma frase que dizia mais ou menos o seguinte: “tenho certeza que agora você vai saber usá-lo” e ele joga o controle no lixo e sente que aprendeu a lição.
No final do filme percebi, que fiz muito bem em não ter dado a ligação para a pessoa que eu queria que me acompanhasse ao cinema, porque a minha paixão por ela é grande, mas foi ela quem não deixou virar amor. Foi ela quem escolheu o que estamos vivendo e não eu. No final das contas eu percebi que uma paixão é apenas uma paixão.
Confesso que estou desde ontem chorando, tamanha é a minha inveja por não ter a segunda chance que lhe foi dada.
Não posso reviver a minha vida e muito menos ter a chance de não magoar a pessoa que menos mereceu ser magoada. Não posso ter a chance de curtir as coisas pequenas da vida que vivi no “piloto-automático”. Não posso ter a chance de uma vez sequer caminhar na Praia de Ipanema ou de almoçar os finais de semana na casa do pai. Não posso ter a chance de um minuto sequer parar de me cobrar e não transfeirir minhas frustrações para a pessoa que mais amei. Não posso ter a chance de não deixar o amor acabar do outro lado. Não posso ter a chance de fazer diferente e hoje ter meu filho embaixo do mesmo teto que eu.
Não posso fazer de novo, mas posso sair desse piloto-automático, que me deixa anestesiado, esperando as coisas acontecerem.

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